Entre o assédio e a paquera

A polêmica envolvendo atrizes americanas e francesas, que conquistou o mundo na semana passada, continua rendendo. Ainda se discute quem estão certas: as americanas, que fizeram um manifesto contra o assédio sexual na indústria cinematográfica, expondo a violência que várias sofreram nas mãos do produtor Harvey Weinstein; ou as francesas, que publicaram um texto uma defesa do direito ao flerte e ao galanteio e contra o “puritanismo sexual” das feministas. O texto, assinado também pela atriz Catherine Deneuve, criticava a onda conservadora que está presente no mundo todo hoje. Deneuve depois pediu desculpas às vítimas de violências sexuais mas o estrago estava feito. Ficou claro que nem elas sabem a diferença entre um e outro.

Catherine Deneuve / BRITTA PEDERSEN/DPA VIA AP

E isso é comum. A maior parte das pessoas não sabem definir o que é nem quais são os limites entre o assédio e a paquera romântica. A melhor definição que vi é esta: “os avanços de caráter sexual, não aceitáveis e não requeridos, favores sexuais ou contatos verbais ou físicos que criam uma atmosfera ofensiva e hostil”. O assédio está presente sempre que um homem força uma situação de cunho sexual e deixa uma mulher – ou até outro homem – constrangida. Uma pesquisa Datafolha, publicada na Folha de São Paulo em 23 de dezembro de 2017, e que ouviu 1.427 mulheres a partir de 16 anos, mostrou que 42% das mulheres brasileiras foram alvo de assédio sexual. O índice sobe para 56% quando se trata da faixa etária de 16 a 24 anos. Um terço delas foram assediadas enquanto caminham, 22% no transporte, 15% no trabalho, entre outros locais.

O assédio – que muitos ainda confundem com cantadas “mais fortes” – está na violência física e mental que é feita sobre a vítima, geralmente numa posição de poder inferior. A mulher distraída que caminha na rua e que recebe um termo chulo, jogado pelo homem como se fosse um elogio, está, também, numa posição de poder menor porque está despreparada para ser “elogiada” tão eloquente e publicamente. A repetição de piadas ou conversas de natureza sexual de forma constante e que deixa o receptor constrangido pode ser visto como abuso e violação.

Para alguns homens, o assédio faz parte do perfil de conquista que tem. Foram criados para ser “macho alfa”, uma postura que, na antiguidade, estava ligada à sobrevivência. O guerreiro/caçador mais forte e agressivo era visto o melhor provedor, capaz de criar, manter e garantir a subsistência de uma família e, portanto, mais desejável. O dominador se perpetuou por uma sociedade masculina, onde os homens eram ‘donos’ de sua esposa e filhas, estas até usadas como mercadoria de troca ou ganho pecuniário. O mundo mudou mas a criação dos meninos continua exatamente igual.

Hoje, as mulheres não são mais propriedades. Elas são provedoras e chefes em 40% dos lares brasileiros, sendo que 60% da população feminina estão presentes em todas as áreas de trabalho, inclusive no altamente masculinizado segmento da construção civil. Conquistaram direitos importantes e batalham por outros. Um deles, o de não mais serem vistas como “inferiores” e, portanto, respeitadas como seres humanos.

Aliás, o respeito é a diferença entre o assédio e a paquera. Quando há o respeito, não há o assédio. Porque, com respeito, dignidade e civilidade, não há medo, constrangimentos nem violação da intimidade sexual – um direito de todos. Porque, quando um quer impor sua intimidade sobre o outro, o respeito tirou férias e foi para as cucuias.

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